Esta história, que aqui vos deixo, faz parte das minhas mais gratas recordações. É real, não é apenas uma, estória, fruto da minha imaginação.
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Há
alguns anos atrás, quando eu ainda sentia a magia do Natal, havia um homem de
cerca de 80 anos, alto, elegante e com uns olhos azuis cheios dos mistérios de
uma vida longa e dolorosa, que todos os meses, invariavelmente, pelo mesmo dia
e, sempre, pelas sete e meia da noite batia à minha porta a pedir esmola.
Rogava, sempre, algo
que pudesse levar para ajudar a uma refeição. Não queria dinheiro.
Vestia, com
distinção, um fato já muito puído pelo uso, uma camisa branca deformada e uma
gravata quase tão velha como o dono.
Era de grande
eloquência e senhor de uma sabedoria fruto da experiencia de uma longa vida.
Num dia de Dezembro,
à hora de sempre, tocou a campainha e, com a distinção habitual, pediu ajuda
para aconchegar o estômago.
Eu, talvez imbuído
pelo espirito de Natal que já se sentia no ar, perguntei-lhe se não queria
jantar comigo?
Notei o brilho do
azul dos olhos cintilar de forma mais intensa.
Timidamente
respondeu:
-Gostava muito,
vou-me sentar aqui nas escadas e agradeço de todo o coração!
-Vai jantar comigo,
na minha casa, na minha mesa, confirmei eu.
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Comeu com uma
delicadeza que, fazia adivinhar, ser alguém de princípios que a vida abandonou
no fim da jornada.
Falou pouco, contou,
apenas, que tinha feito 81 anos em Novembro, não se lembrava bem do dia. Disse
que o filho, que deveria ter agora 45 anos, era advogado mas, que se havia
esquecido que tinha um pai velho.
Vivia, por caridade,
num quarto que uma, bondosa, senhora lhe dispensava.
Só pedia, em cada
casa apenas, uma vez por mês.
Assim, dizia ele, não
se tornava maçador e sempre o iam ajudando.
Acabada a refeição,
recordo como se fosse hoje, olhou-me e, de forma acanhada disse-me:
-Há uma coisa que não
bebo há longos anos mas, se hoje, me desse um eu aceitava!
-Diga, balbuciei, se
eu tiver!
Olhou-me, quase com
timidez, antes de responder:
-Era um cafezinho!
Bebeu-o com
satisfação, pediu licença para se levantar, agradeceu e encaminhou-se para o
frio da noite.
Não resisti, fui
buscar a minha única gabardine e disse-lhe para a vestir.
Espreitei pela
janela, vi-o desaparecer na esquina da rua.
Figura alta e
elegante, a que a minha ex-gabardine dava conforto, para vencer o gélido ar
dessa noite.
Para mim, esse
inverno foi mais frio, era o meu único agasalho e, eu, gostava tanto dele.
Mas valeu a pena e
nunca me arrependi.
Foi a última vez que
o vi, não mais apareceu.
Provavelmente, o
filho, voltou a lembrar-se que tinha um pai.
Velho sim!
Mas era o seu pai!
Manuel Penteado
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