- Boa tarde senhor Ernesto!
Esta
boa tarde teve uma entoação especial e o senhor Ernesto sentiu isso. Não era
habitual uma saudação tão acalorada, pelo contrário, a dona Arménia era sempre
um pouco monocórdica, quase despercebida. Hoje foi diferente, entoou de uma
forma prolongada, quase, melodiosa.
A dona Arménia era uma mulher de
meia-idade, roliça e onde as faces coradas lhe davam um ar de provinciana
saudável. O senhor Ernesto pensava que era casada, pelo menos usava uma aliança,
mas, de verdade, nunca viu o marido.
Sem deixar de limpar o balcão
respondeu no mesmo tom, aliás, como sempre o fazia a todos os clientes e, muito
especialmente, aos habituais como era o caso da dona Arménia.
Há anos que religiosamente, por
voltas das quatro horas, aparecia para o seu chá Ceilão, esse era certo, só no
acompanhamento é que variava, umas vezes queria uma carcaça torrada com muita
manteiga, outras, dois scones com doce de chila.
Puxava de um pequeno livro, nunca
percebeu o que ela estava a ler, era numa língua estrangeira que ele não percebia,
mas a verdade era essa, a dona Arménia, ia beberricando o seu chá com uma
elegância de dedos estudada e, ao mesmo tempo, espreitando as letras da pequena
brochura.
Depois, deixava o dinheiro na
mesa e saia sem dizer nada.
****
Hoje foi diferente, começou com
essa boa tarde sonante, um sorriso que realçava o brilho rosado das faces e,
para surpresa do pobre senhor, não queria chá.
- Mas, titubeou o senhor Ernesto
o que devo servir à madame?
- Hoje, caro amigo, quero dois
pastéis de bacalhau e uma imperial bem gelada.
****
O homem não sabia o que pensar, a
cliente estava fora do normal, era sempre tão formal e tão reservada, tinha um
certo estilo na forma como deglutia a torrada e a subtileza dos dedos no levar
da chávena à boca e, hoje, sorvia a cerveja como os comuns dos mortais nos
intervalos das dentadas nos pastéis de bacalhau.
- Senhor Ernesto, bradou dona Arménia, traga-me outra
imperial e mais um pastelinho.
O homem correu, solicito, a
atender o pedido, embora pesaroso pela mudança mas, que fazer, o freguês tem
sempre razão.
- Aqui tem o seu pedido, disse o
senhor Ernesto, mas desculpe nunca a tinha visto beber cerveja!
A mulher deu uma gargalhada e
perguntou:
- Se o senhor estivesse preso 15
anos, longos e dolorosos 15 anos, o que faria no dia em que recuperasse a sua
liberdade?
- Bom se calhar o mesmo, mas não
me parece que tenha estado presa!
- Presa e bem presa, hoje
recuperei a liberdade, consegui finalmente o meu divórcio.
- Vá beba uma cerveja comigo, vá
lá beba!
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