quarta-feira, 12 de maio de 2021

MARASMO?


Era sempre o mesmo marasmo, aquela rotina que tornava a vida numa chatice, que se pegava à pele e tornava o dia-a-dia numa monotonia que doía e lhe deixava uma angústia que não sabia explicar.

Por vezes, embrenhava-se na leitura de "O Ser e o Nada" mas o existencialismo de Jean-Paul Sartre, um pouco taciturno, apenas servia para adensar a opressão que o levava aqueles momentos de depressão, em que se isolava como se as pessoas fossem marionetas que, apenas, serviam para agudizar o mal-estar que o entorpecia.

O seu médico já o tinha alertado para os perigos dessa amorfia, para esse casulo que vicia, corrompe e, tantas vezes, leva a desistir como, se desistir, fosse a solução.

Hoje sentia de forma mais acentuada essa compressão, esse andar perdido entre as gentes sem se aperceber que, ele, fazia parte dessa multidão que o baralhava como se fossem robôs, que giravam ao sabor de um acaso, a que ele não queria pertencer.

Voltou a insistir, mas os personagens não pareciam reais, estavam desfocados, e emaranhavam-se de tal forma que pareciam fazer parte doutra onda, que não aquela, onde o seu pensamento se concentrava.

Perguntava, muitas vezes, a si mesmo se não estaria a ficar doido, se a sua mente não o estaria a levar num caminho autista, num espiral egocêntrico, num desencadear de sentimentos antagónicos, queria fazer algo mas a solidão e o isolamento eram o seu maior prazer.

Já começou tantas vezes, que lhe perdeu a conta, a leitura de “Assim Falou Zarathustra (Also Sprach Zarathustra)” mas Friedrich Nietzsche, naquela linguagem, provoca-lhe náuseas, e a ideia de que o "homem deve ser superado" ou o conceito de que "Deus deve estar morto" vai além da sua compreensão.

Ele sente os conceitos filosóficos de uma forma diferente, não compreende a filosofia que põe em dúvida se a realidade é a que aprendemos pelos sentidos.

Não percebe o recurso a constatações empíricas para provar ou refutar uma tese.

É prático, para ele a vida é nascer, viver e morrer com a mesma naturalidade de uma metamorfose, não gosta daquele rebuscar existencial de amores, desamores, paixões, aventuras, trivialidades e a chatice do trabalho, pois parafraseando Pierre Reverdy - o tempo que precisamos para não fazer nada é tanto que não nos sobra tempo para trabalhar - e, isso é a verdade!

É mais prosaico um dia em reflexões sobre o que motiva aquele ziguezaguear confuso de uma mosca, do que correr para o nada, num suar desconfortável só porque alguém se lembrou que correr é saudável.

Se calhar está a "endoidar", como diz a sua melhor e, única, amiga, Sofia.

Mas ela sabe que não.

Ele não compreende Sofia, tem tudo o que quer, é dona de uma fortuna herdada dos pais e, trabalha, calculem que trabalha como se não houvesse amanhã. Nunca compreendeu essa obsessão pelo levantar cedo e perder o dia à volta de papéis e de problemas, quando podia estar calmamente em casa, ou em qualquer local paradisíaco, a gozar do prazer de nada ter que fazer a não ser o prazer de não fazer nada.

A Sofia é uma amiga muito especial e, ele sabe como ela o ama, como aprecia a sua intelectualidade, como se delicia com a sua expressão estética e com as divagações à volta da existência.

Ela sabe que o seu descanso constante não é mais do que a interiorização dos seus elevados pensamentos.

Ele gosta dela e ela, não tem duvidas, ama-o desde sempre. Vão casar, vão ser felizes.

Vai poder continuar a fazer aquilo de que, verdadeiramente, gosta.

Que, de verdade, é não fazer nada. 

Manuel Penteado 

Maio 2021

 

 

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