Talvez fossem remorsos! Não que tivesse
motivo para isso, mas há momentos que nos perturbam o pensamento e as coisas
podem acontecer.
Marcolino era,
um pouco, explosivo e facilmente se deixava levar pelas emoções, nada de
violências ou de ofensas mas amuava e desconhecia as pessoas, não era
propriamente um desconhecer absoluto, era mais um distanciamento, um faz de
conta, uma maneira de mostrar uma insatisfação.
Mas, pobre de
espirito e um pouco retrogrado, normalmente saía a perder, coisa que não sabia,
ainda, controlar.
Agora a
questão era um pouco mais delicada, havia interesses que ultrapassavam a sua
própria vontade e, o seu raciocínio, não o ajudava a discernir o que era melhor
para ele próprio.
As coisas, por
vezes, acontecem e ultrapassam a nossa vontade, não conseguimos controlar e
depois o arrependimento não vale nada.
Ele,
Marcolino, viu a Cassilda, no baile da feira, no primeiro dia de festa na
aldeia e, obedeceu às ordens, na forma da sua rudeza natural e, mesmo na frente
de toda a gente, disparou:
- Ouve lá
cachopa! Há muito tempo que ando de olho em ti, já me informei que não tens
ninguém, por isso, podíamos namorar os dois!
Cassilda ficou
para morrer, tal foi a vergonha porque passou. Quem lhe havia de dizer que
Marcolino, que diziam ser meio tonto, a iria assediar dessa forma, neste sitio
e, pior ainda, à frente de tanta gente que a conhecia.
Não queria ser bruta, nem sequer ofender
o rapaz, mas não sabia bem como sair desta situação.
Corou, sentia
mesmo um calor enorme na cara, e o olhar fixo e embasbacado de Marcolino, só
servia para piorar a situação.
Tentou falar
mas, as palavras, enrolavam na garganta e não havia maneira de se transformarem
em qualquer som e tinha medo, mesmo muito, pela reacção daquele homem de olhos
desvairados.
****
O professor
Eleutério reparou, no embaraço da moça e, no olhar guloso do Marcolino,
pegou-lhe com suavidade, num braço, e com muita argúcia, foi-lhe segredando:
- Sabes,
Marcolino, que nunca se deve abordar uma rapariga assim?
- Desculpe
professor, interrompeu o rapaz, eu não bordei nada só a pedi em namoro.
O professor
teve que suster o riso, com muita calma insistiu:
- Eu disse
abordar que é o mesmo que, para perceberes, chegares ao pé. Não deves dizer,
assim de repente, tens que ser esperto, carinhoso e com muito tacto.
- Mas senhor
professor, insistiu o moço, a culpa foi do meu mano, ele é que anda, há muito,
com a Cassilda na imaginação, eu também acho que é jeitosa, mas ele está mesmo
entusiasmado. Vai daí, ontem, disse-me que eu tinha que a pedir em namoro, mas
não podia dizer que era para os dois.
- Agora sou eu
que não percebo! Explica lá isso devagarinho, como é isso de para os
dois?
- Pois,
professor, é isso que nós queremos, uma mulher para os dois! A gente dá-se bem,
não somos ricos, por isso uma para os dois chega bem. Eu trato do gado, ele
trata da lavoura, porque tem mais força, e ela vai tratar da casa.
Vai ser uma
princesa, mas mesmo uma princesa como a dos filmes.
O Inácio chega
a casa às 7 horas e tem a mulher à espera, linda, para ele. Eu tenho que
recolher as ovelhas chego mais tarde, ai pelas 8 horas e é outra festa, lá
estará ela, linda para mim.
Tem dois maridos, para esperar, e tem
dois amores a chegar. Então não é bonito?
- E depois?
Perguntou o professor?
- Então depois
o que? Respondeu Marcolino.
- Sim e
depois? Vocês querem uma criada ou uma esposa?
- Pode chamar
isso, queremos uma mulher que, também, é essa coisa de esposa.
- É à noite
como dividem? Perguntou o professor.
- Dividir?
Isso não, não dividimos nada, nunca, mas mesmo nunca. Quase gritou Marcolino.
- Sabes que
mais! Exclamou o professor, isto parece uma conversa de malucos!
- Olhe lá
senhor professor, eu tenho muito respeito por si, mas não sou nenhum maluco, há
muitas pessoas que pensam que sou, mas não sou. Sou um pouco fraco de juízo e
as pessoas pensam que sou maluco e o meu mano ainda pior, nem se atreve a
passar pela aldeia.
Se se atreve há logo um ou outro que
grito "Olha o Inácio desmiolado" e ele não gosta, atira pedras aos
rapazes. Eu também não gosto e, um dia apanho um desses malvados, dou cabo
dele, estrafego-o de tal maneira que vai passar o resto da vida agarrado a um
cajado. Pode ter a certeza que o faço!
Eu sei que és bom rapaz, mas perdes a
cabeça com facilidade e o teu irmão, bem nem vale a pena falar.
Mas vamos à nossa conversa sobre a
Cassilda, se bem percebi vocês querem casar os dois com a menina, coisa que não
é permitida e, mesmo que fosse, era preciso que ela quisesse.
E digo quase, porque na verdade eles
deviam gritar.
São os dois
varridos do miolo!!!!
Vá desaparece
e, se te vejo a incomodar alguma rapariga, vais direitinho à guarda e sou eu
que te levo pelas orelhas. Eles logo te arranjam outra companhia para dormires.
- Eu cá não
tenho culpa! ! Foi o meu mano que me mandou.
Disse,
Marcolino, a chorar.
Junho 2021
Manuel Penteado
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