Não me apetece escrever.
Tento, começo mas as ideias embotam e
apenas resta um vazio.
Por vezes há uma que começa a brotar no
meu cérebro, parece ir bem mas é ilusão, não tarda a ideia é apenas isso, uma
ideia, que morre antes de germinar.
Foi ontem, talvez não fosse ontem, se
calhar foi há mais dias, que comecei a imaginar a paixão, de uma pobre plebeia,
por um príncipe loiro de fino bigodinho, que corria a galope num belo cavalo de
crinas ao vento. Mas foi um fogacho, o príncipe, afinal era um velho
gordo, com um hálito capaz de exterminar um enxame de moscas.
A ideia, como podem ver, era boa mas os
personagens resolveram aliar-se e tornar inglória a minha, já, pobre
imaginação.
Penso, será cansaço? Mas ainda há muito
pouco tempo as coisas fluíam como a água brota numa nascente, forte, fresca e
cristalina.
De repente secou, a mente entrou numa
espécie de greve intelectual, nada de tramas, comédias ou divagações sobre
amores, mais ou menos possíveis.
Um deserto, não vale a pena tentar,
basta um arremedo e os ouvidos entram num zunido, uns tinnitus, o cérebro se
encolhe, os pensamentos se retraem e, a imaginação, fica tão obtusa como a dos
governantes.
Já pensei que, possivelmente, é por imaginar, normalmente, moças de seios
fartos, lábios carnudos e olhos com reflexos de magia, mas não, não era isso,
são mesmo os fusíveis que queimaram.
Tentei imaginar uma cena com senhoras já matronas, com sonhos já apagados nas
memórias dos tempos, maridos sentados no sofá na espera do descanso que não
tarda.
Fui ardiloso, pensei que fui, mas puro engano, a escuridão manteve-se nem uma
luzinha brilhou.
Por vezes olho o céu na esperança de uma estrela despertar a minha inspiração,
mas apenas um firmamento negro, pois as estrelas, tal como eu, também andam
escondidas.
Foi ontem? Se calhar já foi há mais dias, mas pouco interessa para o caso. Fui
espreitar a janela para tentar perceber se o frio já tinha desistido e vi uma
loira. Que espetáculo, cabelos abundantes espalhados pelas costas, em suaves caracóis,
uma calça de licra, bem justa, delineava na perfeição uma bunda capaz de
ressuscitar um morto.
Fiquei especado à espera de admirar o
resto, imaginava já o farto busto e a doçura de um rosto angelical. Era agora,
estava a voltar-se, mas antes o não tivesse feito, pelo menos tinha mantido a
minha imaginação ocupada. Mas não! Voltou-se, mesmo, para matar em definitivo a
mina esperança. Era um homem, feio como um bode, barba rala, uma argola no
nariz e borbulhas a salpicar aquela obra, já de si, tão imperfeita.
Não vale a pena, vou desistir e esperar
o amanhã.
Mas o amanhã pode ser já hoje, por vezes acontece, as coisas dão a volta e a
esperança renasce.
Está a acontecer, vem saltitante num
doce bailado de sensualidade, as mamas erguidas, como lanças apontando aos
céus, os cabelos de azeviche em dança demoníaca de tentação os olhos,
rutilantes, iam hipnotizando quem tivesse a bênção de os olhar, os lábios
lascivos eram morangos que aguçavam o apetite das bocas sequiosas.
Dizer que era linda era uma banalidade,
pois ia para além do terrestre, só podia ser uma obra de um demónio, para
tentar quem tivesse a leviandade de a olhar.
Eu estava no caminho, julguei, era o
alvo daquela aparição que se aproximava de mim.
As pernas tremiam-me, o coração pulava
numa autêntica doidice, a minha boca já sentia o sabor dos morangos, daqueles
lábios. Estava tão próxima que fechei os olhos para tomar maior o encanto. Fiz
mal!
Passou por mim e não parou.
Olhei desolado, a aparição foi cair nos
braços doutra mulher, feia, varonil e desinteressante.
Deram as mãos e desapareceram enlevadas,
cúmplices, nos carinhos e felizes nas intenções.
Desisto, não vale a pena, as musas só favorecem os poetas.
Junho 2021
Manuel Penteado
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