Dona Bebiana estava preocupada, sempre tentou ser boa mãe, deu tudo
pelos filhos.
O Ernesto, o mais velho, tomou rumo na vida, sempre foi carinhoso,
amigo dos pais e mesmo agora que está a acabar o curso, no estrangeiro, todas
as semanas telefona no computador, nessas coisas modernas que falam e, ao mesmo
tempo, estão todos ali na sala, cara a cara, olhos nos olhos.
Deus abençoe quem inventou estas modernices!
Agora o que a estava a atormentar era a Clarinha, tinha só 12 anos, de
repente ficou distante, metida consigo, fechada no quarto, parecia viver num
mundo à parte, não queria falar com ninguém, era um castigo para a obrigar a ir
à escola.
- Filha, perguntava Bebiana, tens algum problema que queiras partilhar com
a mãe?
- Deixa-me em paz, não te metas na minha vida!
Gritou, Clarinha, enquanto batia com porta do quarto.
Depois voltou para o seu isolamento.
A mãe nem lhe respondeu, não valia a pena.
Dona Bebiana ficou viúva há três anos, o marido de repente, sem nada o
fazer prever, partiu com um AVC fulminante, quando chegou ao hospital já
estava morto.
Foi difícil, ficar só e com dois filhos, um com 18 anos e outra de 9.
Arregaçou as mangas, tomou conta do negócio do marido, sem pouco ou nada
perceber da padaria, mas venceu e conseguiu manter os filhos ao nível a que
estavam habituados.
É verdade que o padrinho da Clarinha foi importante, deu-lhe apoio,
aconselhou-a nas decisões mais difíceis, enquanto estragava a afilhada com
mimos e prendas.
Aos fins-de-semana, quase sempre, aparecia para um passeio ou uma ida ao
cinema, desde que houvesse filmes para a idade dela.
Clarinha idolatrava o padrinho, contava os dias que faltavam para o
fim-de-semana,
já sabia que ele vinha buscar para uma ida ao Jardim Zoológico, ao
Oceanário, ao cinema ou a qualquer divertimento apropriado à sua idade.
De repente, Clarinha, perdeu o interesse, não quer ir com o padrinho,
inventa motivos, mas não a conseguem arrancar de casa.
Dá-lhe um beijo e inventa uma desculpa.
O homem sai triste, olha para a comadre, enquanto vai dizendo:
-São fases, isso depois passa, é a idade do armário, não te preocupes!
Hoje foi de mais, cumprimentou o padrinho, ignorou a prenda, nem a
desembrulhou.
Disse com licença e foi tomar banho.
Bebiana ficou sem saber o que dizer:
- Desculpa Américo, eu falo com ela.
Não vale a pena, repetiu o padrinho, deixa-a que isso passa!
Bebiana já não sabia o que fazer, mas, não podia permitir, a filha estava
impossível, chata, mesmo muito chata, não podia continuar assim, afinal era
a mãe, boa mãe que nunca lhe faltou com nada, talvez só um pouco ausente, mas
mesmo isso, por eles.
Ia tomar uma resolução, sempre resolveu os problemas, com os filhos, pelo
diálogo, nunca pelo castigo. Se necessário for, pode ser um pouco mais dura,
vai ter uma conversa muito séria com a filha:
- Clara, abre a porta, temos que falar e não me obrigues a rebentar o
fecho!
Sentiu o rodar da chave, a filha tinha os olhos inchados, estava a chorar.
Abraçou-a, afagou-lhe os cabelos como costumava fazer, até que sentiu os
soluços acalmarem.
- Clarinha que se passa, já não te conheço! Onde está a minha filha terna e
doce?
A rapariga abriu os olhos, havia medo naquele olhar.
- Fala comigo filha! Pediu Bebiana.
- Sabes mãe, começou Clarinha, não posso, se falar alguém te vai fazer mal
e eu não quero!
A mãe sentou-se na cama e indicou-lhe o lugar ao lado. Agarrou-lhe a mão e
garantiu:
- Não Clara! Ninguém me vai fazer mal, pedimos ao teu padrinho que nos
ajude! Vá conta o que estas a esconder!
Quase em desespero a filha pediu:
- Ao padrinho não, é ele que me faz mal e que diz se eu contar tu vais
pagar!
Bebiana respirou fundo, aconchegou a filha contra o peito:
- Agora percebo tudo. O que foi que ele fez?
As lágrimas saltaram, mas arranjou coragem e contou:
- Tirou-me as cuecas e mexeu em tudo, eu chorei, chamou-me menina mimada,
disse que se eu contasse que dava cabo de ti, e que ninguém ia acreditar num
fedelho como eu.
Depois, chorou até que as lágrimas libertaram o coração.
- Sabes, disse a mãe, eu acredito! Vais à psicóloga para te ajudar. Eu
trato dele, podes ter a certeza que o doutor, teu padrinho, não me vai
fazer nenhum mal e nunca mais molestará nenhuma criança!
O doutor, Américo Damásio, não esperava ninguém tão tarde, espreitou e
ainda ficou mais confuso, a comadre Bebiana a estas horas, devia ser urgente.
Abriu a porta com um sorriso.
-Tu aqui a estas horas, que se passa? Entra! Vamos para a sala!
A senhora da limpeza encontrou o cadáver.
Estava recostado no sofá, no meio da testa um furo negro, de sangue seco,
na mão direita apertava, ainda, uma pequena Beretta 21.
Suicídio, foi o veredicto.
Os negócios não lhe estavam a correr muito bem!
Efeitos da crise, talvez da pandemia!
Que fazer?
Manuel Penteado
Novembro 2021
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