Tenho a certeza que foi numa quinta-feira, era o dia em que eu passava pela loja do senhor Elias para comprar torresmos. Sim o senhor Elias recebia todas as semanas, à quinta-feira, um cabaz com os melhores torresmos vindos de uma aldeia do Alentejo.
Mas isto foi apenas um aparte, pois não sabia como começar
o encontro dessa quinta-feira, e o facto de chover era pouco relevante nessa
época do ano embora esse acontecimento tenha sido de grande importância.
Quando entrei na loja do senhor Elias, coitado já morreu há
dois anos, fui surpreendido pela maravilha que se encontrava encostada ao
balcão.
Dizer que era linda seria vulgarizar a beleza, pois neste
caso havia magia naquele olhar, sensualidade no sorriso e o trejeito do rosto
faziam realçar duas covinhas na face que lhe davam um ar, quase, angélico e ao
mesmo tempo provocante.
Estava debruçada sobre o balcão, perna flectida num ligeiro
balouçar que realçavam o rabo moldado numas apertadas calças de ganga.
Olhou-me de lado e foi nesse momento que a faísca atingiu a
parte romântica do meu cérebro e fundiu totalmente a minha lucidez.
Fiquei assim como pasmado, numa mescla de fascinado e
apalermado, tentando sem jeito endireitar o nó da gravata, não que precisasse
mas eu necessitava desse momento para por em ordem as ideias e se o senhor
Elias não tivesse aparecido eu, provavelmente, ainda estaria no incómodo da
hesitação sem saber o que dizer.
Mas, para minha salvação o homem saiu detrás dos armários e
com o ar mais pesaroso que arranjou coçou a calva antes de dizer:
- Caro senhor doutor hoje estamos mal, o homem não me
mandou a mercadoria parece que teve um problema com a camioneta.
Afivelei o melhor sorriso que consegui, mais para a moça de
que para o merceeiro, e sem gaguejar respondi:
- Paciência, fica para a semana, mas valeu a pena porque vi
que tem clientes muito bonitas!
Agora foi o senhor Elias que ruborizou, um vermelhidão
apoderou-se-lhe do rosto e subiu até ao alto da reluzente careca.
A moça iluminou a espaço com um sorriso tão safado que me
obrigou a uma sonora gargalhada contagiante, depois o senhor Elias não se
conteve e começou num riso ruidoso e a moça seguiu o exemplo.
Era caricato, três pessoas sem motivo aparente riam a bom
rir, de forma estridente, sem sequer saber a razão.
Eu comecei porque ela sorriu, o senhor Elias porque eu
comecei e ela, talvez, porque nós começamos.
Foram uns minutos assim, de verdadeira parvoíce, até que
pouco a pouco fomos acalmando o sufoco e limpando as lagrimas que nos cobriam
os olhos.
- Bom, comecei eu, momento bem divertido sem grande causa!
O senhor Elias, tirou um lenço e assoou-se com estrondo,
limpou os olhos e dobrou o lenço antes de começar:
- Peço desculpa, senhor doutor, mas não me consegui conter
e a culpa foi minha pois com a confusão nem lhe cheguei a apresentar a minha
mulher.
Essa freguesa que ai está é a dona de tudo isto, incluindo
o meu coração, casámos no sábado passado.
******
Chovia torrencialmente,
mas não me importei, pois foi importante a água fria da chuva para me acalmar e
aclarar as ideias.
O senhor Elias, 65 anos, gasto pela vida, casado com um
verdadeiro "filet mignon" de 22 radiosos anos.
O mundo anda mesmo às avessas
Janeiro 2021
Manuel Penteado
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