Faz hoje um ano, parece que foi ontem, o tempo passa tão depressa que quando tentamos recuperar os pensamentos já se perderam na memória do tempo.
Mas há coisas que ficam, não se
perdem, são absorvidas de tal forma que passam a fazer parte do nosso
quotidiano.
Como ia dizendo, faz hoje um ano, e
recordo bem, era uma sexta-feira soalheira, um pouco quente e eu estava
recostado no banco do jardim, um pouco contemplativo sobre as águas do tempo,
que em leves ondulares se iam diluindo em espuma nas paredes do cais.
As gaivotas, um pouco atrevidas,
descansavam nas amuradas, indiferentes às correrias da garotada.
Foi quase por acaso, mas, reparei
nela, talvez pela forma, um pouco excêntrica, como estava vestida. Na cabeça um
enorme chapéu, de palha, amarelo, contrastava com duas enormes flores
vermelhas.
Vestia uma espécie de túnica, da cor
das flores, e nos olhos uns enormes óculos escuros, com umas armações de
florinhas douradas.
Era um pouco surreal, parecia uma
personagem tirada da Alice no País das Maravilhas, mas fascinou-me a figura e,
embora disfarçando, atraia-me o olhar.
Tentei encobrir, mas ela reparou, e
olhando com um sorriso aberto cumprimentou-me:
- Boa tarde cavalheiro! Já me
conhece? Deve conhecer, pois, eu estou aqui todos os dias, só nos dias de chuva
me recolho, ali, na paragem do autocarro, tem que ser.
Fiquei Intrigado, pois isto tem que
encerrar, decerto, uma história que a minha curiosidade quer conhecer.
Retribui o sorriso e fiquei sem
saber, bem, o que dizer, mas arrisquei:
- Não me recordo de já a ter visto,
é raro vir para estes lados, pois se viesse, decerto, já tinha reparado numa
senhora tão simpática!
- Oh que gentil! Venho sempre,
faltei uns dias porque a saúde me deixou, mas estou de volta! Só espero que ele
não tenha chegado nos dias em que faltei, mas tenho a certeza que não, ainda se
deve recordar da morada.
Tirou os óculos por um momento,
devia ter sido uma mulher muito interessante mas, agora, um emaranhado de rugas
e vincos mostravam os estragos que os anos fizeram.
Voltou a colocá-los e fitou o horizonte, na procura de algo que apenas ela sabia.
Mas, arrisquei:
- Quem espera tão devotadamente?
- Desculpe não lhe tinha dito,
espero o meu Ernesto! É o meu marido, deve chegar um dia destes e eu tenho que
estar aqui, para o levar para casa!
Desculpe a minha ignorância,
repliquei:
- Mas, ele, quando vier deve avisar,
não é?
- Tenho receio que não, ele saiu
muito zangado, e com razão, eu era uma parva com os ciúmes, ele é muito bonito
e as mulheres não o largavam. Nesse dia discutimos e ele saiu de casa, para
embarcar, era comissário num barco, e nunca mais voltou.
Dias não sei, não os contei, mas fez
12 anos em Maio.
Fiquei um pouco perturbado. Doze
anos? É estranho é muito tempo!
- Mas Dona, ia eu dizer Rosete,
desculpe:
- Sim, eu sou Rosete, sabia o meu
nome?
- Não não sabia!
- Mas o que lhe disseram na
companhia a quem pertencia o barco?
- Foram simpáticos, muito
simpáticos, mas devem ter pensado que eu era maluquinha.
Na marinha não tinham, nem nunca
tiveram um comissário com o nome do meu marido.
- Eu sei que não quiseram dizer,
deve ter ido nalguma missão secreta, uma espécie de espião, é o que é!
- Oiça lá, perguntei, como era mesmo
o nome do seu marido? Eu fui da marinha, estou reformado mas lembro nome de
muitos colegas:
-Todos o conheciam, era o comissário
Ernesto da Silva Pilrito.
Conheci um, mas não é e, acho que,
nunca foi da marinha!
- Que pena, disse ela, quando o vi a
si até pensei que poderia ser o meu Ernesto, os mesmos olhos, o queixo
voluntarioso, o nariz aquilino, tantas semelhanças mas, já vi que não é, o
Ernesto tem um cabelo preto, bem cheio e o seu é branco e já um pouco calvo.
Mas gostei de o conhecer é simpático
como o meu Ernesto.
Pobre senhora, pensei, à espera do
nada, tal como eu que voltei, da guerra, e não sei quem sou.
Se calhar até me chamo Ernesto.
Mas não!
Não me lembro da senhora!
Fevereiro 2021
Manuel Penteado
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