quinta-feira, 25 de março de 2021

MALEFÍCIOS DO TABACO


Começou a subir as escadas, pareciam muitas e as pernas começavam a sentir umas guinadas que as deixavam hirtas. 

Parou um bocadinho, encostado ao muro. 

Tinha o peito ofegante e o ar parecia que lhe ia queimando o peito.

Era do tabaco, ele sabia, maldito vicio. 

Já tentou algumas vezes, mas não é fácil, esteve dois meses, sonhava com o cigarro, e um dia não aguentou mais, acabou de almoçar e vai disto, um cigarrito.

A primeira passa não soube bem, mas depois foi um prazer  que o invadiu, até lhe pareceu que as ideias ficaram mais claras.

Agora estava a sentir os efeitos.

Sentou-se num degrau, tirou a cigarreira e enfiou um no canto da boca, quando o fósforo o fez crepitar sentiu os pulmões serem invadidos, por aquele prazer inebriante e, parece que, as forças voltaram para o resto da subida.

Voltou à tarefa, parecia difícil, os degraus aparentavam estar mais empinados e, o efeito do cigarro não valeu de nada, as pernas continuavam hirtas e o peito, parecia pequeno para tanto cansaço.

Finalmente chegou ao fim, dobrou-se com as mãos apoiadas nos joelhos, boca aberta num arfar de peixe fora da água, mas não aguentou muito nessa posição, as pernas cederam, os braços perderam o apoio e, por instinto, defenderam a cara antes de tombar no empedrado da calçada.

Foi um casal, ainda jovem, que lhe acudiu e o ajudou a sentar num degrau.

Devagar, muito mesmo, a cabeça deixou de girar, a névoa desapareceu dos olhos e conseguiu um sorriso muito ténue, antes de agradecer:

- Muito obrigado pelo apoio e ajuda!

A jovem insistiu:

- Acho que devíamos chamar assistência e ir ao hospital, teve sorte porque os braços protegeram a cara. Vou ligar para o 112!

- Não, respondeu aflito, não vale a pena, já estou bem, foi do esforço de subir esta escadaria. Estou bem, muito obrigado!

Agora foi o homem:

- Fica bem? Com a saúde não se brinca. Telefone a algum familiar, nós temos que ir.

 - Muito obrigado, respondeu, estou totalmente bem. Deus lhe pague o vosso cuidado.

O casal afastou-se, iam olhando para trás, até que desapareceram na esquina.

*******

Deixou-se estar sentado no degrau, apoiou as costas na parede e meteu na boca um cigarro, calmamente foi fazendo espirais de fumo até que o ultimo morrão caiu. Só depois se levantou e se meteu ao caminho, faltava pouco, a paragem do autocarro era já ali.

*****

O jovem casal ficou apreensivo, aquela imagem do homem a deslizar como boneco articulado e ficar estatelado como um morto, no duro da calçada, ficou a bailar nas suas cabeças, mas seguiram em silêncio. 

A mulher rompeu a calma:

- Não me sai do pensamento o pobre homem, pensei que estava morto, nem calculas como fiquei, tive medo.

- Sabes o que me fez lembrar, disse o homem, o meu tio Xavier, morreu numa cena dessas.

Baixou-se para arranjar os sapatos, baldou de frente e quando deram por ele, tinha lerpado.

- Pois, disse a mulher, fomos uns inconscientes deixamos o homem à sua sorte, devíamos ter pedido ajuda, se o homem morreu somos, moralmente, responsáveis. 

Vamos voltar, ainda pudemos ir a tempo.

 - Mas vou fazer o que? Agora já passou!; 

- Eu vou, disse a mulher! 

Voltou numa correria, era perto, mas do homem nada, tinha desaparecido como por encanto.

- Pois, suspirou a mulher, ou conseguiu ir embora ou alguém o ajudou. 

Que mal procedemos, a culpa é tua que estás sempre apressado e não pensas nos outros. 

És tu e só tu! Às vezes penso como, ainda, encontro paciência para aturar as tuas madurezas egoístas.

- Mas que conversa é essa, gritou o homem, que culpa tenho eu que o velho tenha batido com os queixos no chão, se calhar estava bêbedo!

- És mesmo bruto, sibilou ela, não tens mesmo sentimentos, nem sei como consigo aturar todo esse egoísmo. Nem sei se consigo e, nem sei, se quero conseguir!

- Mas isso é uma ameaça, gritou ele, pensas que és uma santa quando não passas de uma convencida, dando sermões quando não tens moral para abrir a boca. 

Falas, falas e nunca te vi pegar na carteira para dares uma esmola a um pobre.

- Isso foi de mais, já estou farta de ti, nem sei como te tenho aturado, vai para o raio que te parta!

Empinou a cara e desapareceu, rua abaixo, fazendo ruído com os saltos, dos sapatos, na calçada.

Ainda se ouviram as ultimas palavras:

- Finalmente livre deste aborto!

Malefícios do tabaco?

Afinal não faz só mal à saúde!

  

                                                            Março 2021

Manuel Penteado

                                                                     

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