Começou a subir as escadas, pareciam muitas e as pernas começavam a sentir umas guinadas que as deixavam hirtas.
Parou um bocadinho, encostado ao muro.
Tinha o peito ofegante e o ar parecia que lhe ia queimando o peito.
Era do tabaco, ele sabia, maldito vicio.
Já tentou algumas vezes, mas não é fácil, esteve dois meses, sonhava com o
cigarro, e um dia não aguentou mais, acabou de almoçar e vai disto, um
cigarrito.
A primeira passa não soube bem, mas depois foi um prazer que o
invadiu, até lhe pareceu que as ideias ficaram mais claras.
Agora estava a sentir os efeitos.
Sentou-se num degrau, tirou a cigarreira e enfiou um no canto da boca, quando o fósforo o fez crepitar sentiu os pulmões serem invadidos, por aquele prazer inebriante e, parece que, as forças voltaram para o resto da subida.
Voltou à tarefa, parecia difícil, os degraus aparentavam estar mais
empinados e, o efeito do cigarro não valeu de nada, as pernas continuavam
hirtas e o peito, parecia pequeno para tanto cansaço.
Finalmente chegou ao fim, dobrou-se com as mãos apoiadas nos joelhos, boca
aberta num arfar de peixe fora da água, mas não aguentou muito nessa posição,
as pernas cederam, os braços perderam o apoio e, por instinto, defenderam a
cara antes de tombar no empedrado da calçada.
Foi um casal, ainda jovem, que lhe acudiu e o ajudou a sentar num degrau.
Devagar, muito mesmo, a cabeça deixou de girar, a névoa desapareceu dos
olhos e conseguiu um sorriso muito ténue, antes de agradecer:
- Muito obrigado pelo apoio e ajuda!
A jovem insistiu:
- Acho que devíamos chamar assistência e ir ao hospital, teve sorte porque
os braços protegeram a cara. Vou ligar para o 112!
- Não, respondeu aflito, não vale a pena, já estou bem, foi do esforço de
subir esta escadaria. Estou bem, muito obrigado!
Agora foi o homem:
- Fica bem? Com a saúde não se brinca. Telefone a algum familiar, nós temos
que ir.
- Muito obrigado, respondeu, estou totalmente bem. Deus lhe pague o
vosso cuidado.
O casal afastou-se, iam olhando para trás, até que desapareceram na
esquina.
*******
Deixou-se estar sentado no degrau, apoiou as costas na parede e meteu na
boca um cigarro, calmamente foi fazendo espirais de fumo até que o ultimo
morrão caiu. Só depois se levantou e se meteu ao caminho, faltava pouco, a
paragem do autocarro era já ali.
*****
O jovem casal ficou apreensivo, aquela imagem do homem a deslizar como
boneco articulado e ficar estatelado como um morto, no duro da calçada, ficou a
bailar nas suas cabeças, mas seguiram em silêncio.
A mulher rompeu a calma:
- Não me sai do pensamento o pobre homem, pensei que estava morto, nem
calculas como fiquei, tive medo.
- Sabes o que me fez lembrar, disse o homem, o meu tio Xavier, morreu numa
cena dessas.
Baixou-se para arranjar os sapatos, baldou de frente e quando deram por
ele, tinha lerpado.
- Pois, disse a mulher, fomos uns inconscientes deixamos o homem à sua
sorte, devíamos ter pedido ajuda, se o homem morreu somos, moralmente,
responsáveis.
Vamos voltar, ainda pudemos ir a tempo.
- Eu vou, disse a mulher!
Voltou numa correria, era perto, mas do homem nada, tinha desaparecido como
por encanto.
- Pois, suspirou a mulher, ou conseguiu ir embora ou alguém o ajudou.
Que mal procedemos, a culpa é tua que estás sempre apressado e não pensas
nos outros.
És tu e só tu! Às vezes penso como, ainda, encontro paciência para aturar
as tuas madurezas egoístas.
- Mas que conversa é essa, gritou o homem, que culpa tenho eu que o velho
tenha batido com os queixos no chão, se calhar estava bêbedo!
- És mesmo bruto, sibilou ela, não tens mesmo sentimentos, nem sei como
consigo aturar todo esse egoísmo. Nem sei se consigo e, nem sei, se quero
conseguir!
- Mas isso é uma ameaça, gritou ele, pensas que és uma santa quando não
passas de uma convencida, dando sermões quando não tens moral para abrir a
boca.
Falas, falas e nunca te vi pegar na carteira para dares uma esmola a um
pobre.
- Isso foi de mais, já estou farta de ti, nem sei como te tenho aturado,
vai para o raio que te parta!
Empinou a cara e desapareceu, rua abaixo, fazendo ruído com os saltos, dos
sapatos, na calçada.
Ainda se ouviram as ultimas palavras:
- Finalmente livre deste aborto!
Malefícios do tabaco?
Afinal não faz só mal à saúde!
Março 2021
Manuel
Penteado
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