sábado, 23 de janeiro de 2021

CRUZES VAZIAS


 Dedicado a todos os que continuam a lutar contra o inimigo invisível

AS MINHAS CRUZES ESTÃO VAZIAS PORQUE:

O Cristo da minha cruz foi cuidar de quem cuida, vestiu a bata e anda nos hospitais do mundo inteiro a segurar a vida que tem andado suspensa nos beirais da História.

O Cristo da minha cruz foi suster o ânimo dos que criam as vacinas, os medicamentos, um meio seguro de nos salvar a todos.

O Cristo da minha cruz vai dentro das ambulâncias que correm pelas cidades desertas, em lutas contra o tempo e contra a morte e foi percorrer o mundo inteiro, evitando os desesperos de quem não sabe como vai ser a vida a seguir.

O Cristo da minha cruz foi abraçar os braços vazios de abraços, foi dar a mão a quem morre sozinho, foi limpar as lágrimas dos que não podem dizer adeus a quem amam. E anda nas ruas vazias, a recolher o lixo, a desinfetar as praças, a limpar o medo e a acompanhar a solidão que espreita as esquinas.

A minha cruz está vazia. E eu sei (sabemos todos) que esta Semana Santa será Maior do que tantas Semanas Santas das nossa vidas: Cristo lavará os pés a todos os que, exaustos, não desistem de lutar pela vida e beijá-los-á, certamente, porque são esses os pés que, nos nossos dias, anunciam a esperança e fará com eles a Ceia da Quinta-Feira; estará à beira dos que sofrem e morrem, ajudando-os a percorrer o caminho que une o chão ao Infinito e consolando os que, à beira das cruzes que se erguem no mundo inteiro, têm o coração em frangalhos.

O Cristo da minha cruz vazia está vivo. É o rosto cansado dos que não veem os filhos há muitos dias, porque têm de os proteger. Está nas mãos dos que enfrentam o medo (todos têm medo) para ajudar quem precisa. Enxuga as lágrimas dos que estão sós. Está nos que têm de tomar decisões. Está nos que nos mantêm informados e nos dão esperança.

O Cristo da minha cruz vazia semeou esperança no meio do povo. E não o deixa cair na tentação de desanimar, apesar de todos os cansaços, apesar de tudo.

Tenho a cruz à porta. Vazia.

O Cristo da minha cruz, mudou-se para dentro de cada um.

 

Abril 2020

Lídia Ramalho

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